2005-11-24

LITERATURA - Eu tenho uma amante

Bela, belíssima. A mais bela das amantes por que se suspira quando percebemos que nos falta paixão à vida, mais bela e perfeita que qualquer namorada de outro por quem se suspire.

Visitámo-nos ocasionalmente e sempre de fugida. Claro que pela pressa e pelo segredo são momentos tensos em que a paixão contida e silenciada nas ausências explode, e muito do ardor sensual perde-se na urgência animal da posse mútua. No meio da ânsia de amor a que nos entregamos, em que as carnes são violentadas na busca do êxtase por que os amantes reclamam, lá no meio desses momentos há por vezes tempo para soltar carícias suaves, afagos, e dedilha-se música terna que sobe as escalas que só nós conhecemos. Soam então carrilhões de timbre mágico e eu e a minha amante nele deslizamos, nus de tudo que vá mais longe do nosso enlevo, entregues e possuídos, insanos amantes que se devoram na frugalidade do seu segredo.

Exaurida a paixão da carne que jaz dormente, dorida, num dorido agradável de saciado, sossegamos nuvens e entrelaçamos sonhos no mirar mútuo, e os dedos ainda com as marcas vincadas da paixão acariciam-se, tocam e beijam os momentos em que nos fundimos e geramos o Ser da nossa paixão, amantes, recordo. Correm ao de leve os contornos mais queridos, aqui e ali o pormenor que enlouquece e soltou em fúria a paixão bruta, animal, os lábios soletram os segredos, pára o tempo e de nós só brota auréola magna, a beleza dos amantes secretos, de todos os mais belos e perfeitos.

Eu tenho uma amante, para ela escrevo e por ela sou escrito, eu tenho uma amante a quem entre segredos públicos e beijos secretos chamo de Querida, Querida Escrita.

Autoria: Carlos Gil